Não queria que estivesse ali parada, sem fazer com que nada sentisse. Sua indiferença o deixava agoniado, prestes a ter um ataque, esperando que no mínimo fizesse alguma coisa, mesmo que errada. Podia dizer "oi" ou "esquece". Seria menos agonizante do que ter de observá-la com seus anéis em formatos de répteis, sentada num bar, sozinha. Entornava algumas cervejas e parecia pensar em algo engraçado. Às vezes sorria sozinha, mordia os lábios, nunca olhava pra baixo.Os cabelos amarrados. Um penteado esquisito, mas que as amigas dela adoravam. Pensando bem, aquilo devia ser um técnica muito boa, porque o soltar de suas madeichas era algo que mexia com qualquer que passasse. O celular tocou e ela fez que não viu. Mais um gole. As unhas criavam ritmos diferentes quando em contato com a mesa de madeira, úmida, das gotas do copo. Cruzou e descruzou as pernas. Será que ela o tinha visto? Estava sozinha e não olhava pra porta, o que o fizera concluir que ela não esperava por alguém. Ouvia um rock antigo e às vezes se movia na cadeira.
Colocava e tirava os sapatos, num movimento leve, e que fizera lembrar que ela tinha uma pinta no pé, e que também sentia cócegas. Observou que mudara a maquiagem e que nunca a tinha visto com aquele casaco de couro avermelhado. E só depois de lembrar que ela tinha uma pinta no pé, reparou que usava um salto tão fino, que atravessaria qualquer osso se fincado com especial força. Aquilo era uma arma, pensou, e riu sozinho. Enfim, ela nunca tinha usado aquilo. Começava a pensar que era assim mesmo, que algum tempo já havia se passado, e levado consigo os gestos antigos, bem como os vinis, as fotos, as cartas...
Observou mais um pouco, conformando-se com as diferenças e com a indiferença. Enquanto isso ele pedia a saideira, porque a moça que ele esperava, sequer avisou por que não fora.
Antes de sair, na porta do bar, ele olhou pra trás e vira que ela atendera o celular.
Ela sorria, como ele sempre imaginou que ela sorria quando dizia sentir saudades.